Existe consumo consciente?
Uma reflexão sobre compras, China, Shein, lojas brasileiras e consumo
Comprar de segunda mão, escolher tecidos com menos impacto ou ainda se sentir culpada porque comprou algo que não parecia tão correto assim…
Todas nós que tentamos ser mais conscientes no consumo de moda provavelmente já vivenciamos uma situação assim.
Será ainda que a missão de salvar o planeta depende apenas do consumidor médio? (incluo-me aqui) Aquele que precisa, por vezes, parcelar sua compra para poder consumir algo de boa qualidade?
Enquanto isso, multimilionários fazem voos de curtíssima duração emitindo toneladas de dióxido de carbono na atmosfera e praticamente anulando todo nosso esforço.
Não se cobre tanto
Não quero com isso incentivar você a deixar de ser consciente com seu consumo, mas a não se cobrar tanto, a não colocar uma carga pesada demais nas suas costas. Porque você não é culpada.
Por exemplo, já me senti culpada porque comprei uma roupa da Zara num brechó. Fiquei pensando, mas é da Zara, só que está em um brechó… Esse dilema me consumiu por alguns dias…
Depois parei para pensar nas roupas que já possuía em casa. A maior parte das etiquetas vem dizendo que vieram da China. Mas foram compradas em lojas de departamento no Brasil.
Quase todas essas empresas terceirizam sua produção e nisso perdem boa parte do controle, principalmente se tais roupas forem produzidas fora do Brasil.
Então surge a Shein e é bombardeada por críticas de trabalho escravo, só que o mesmo acontece com algumas marcas nacionais e pasme com marcas de luxo.
O estímulo ao consumo é insano
O consumidor é bombardeado com imagens de roupas novas todos os dias. As redes sociais são o maior veículo.
Mas nem todos podem pagar por essas roupas. Quantos podem desembolsar mais de quinhentos reais em um conjunto de blazer e short, que é o valor aproximado que lojas como C&A e Renner cobram atualmente?
Detalhe, nem sempre os tecidos são naturais, usam muito poliéster e poliéster de baixa qualidade que enche de bolinhas com algumas lavagens. Há a possibilidade de encontrar algo em tecido natural, mas isso aumenta o valor já alto.
Quem deseja ou precisa de uma roupa assim não consegue empenhar quase metade de um salário-mínimo para obtê-la, então recorre a Shein, que fornece, às vezes, a mesma peça por um valor mais acessível.
Porque a moda sustentável e consciente é para poucos.
Os tamanhos
Outra realidade são os tamanhos. Tanto quem usa tamanhos menores (petite) como maiores (plus size) tem dificuldade em comprar algo que não seja caricato.
Comprar na seção infantil foi uma constante na vida por muitos anos. Ainda hoje preciso pagar para ajustar barra de calça, tamanho de vestidos e cintura de algumas peças, o que faz o custo da minha compra aumentar consideravelmente.
Já quem veste tamanhos maiores se depara com a falta de itens da moda ou de estilos variados que atendam ao seu formato.
Logo, quando surge uma empresa para preencher essas lacunas, é natural que venda. Porque a mulher da periferia que ter a oportunidade de vestir o que quiser, mas não encontra algo por preço acessível.
E como ser consciente então no consumo?
Se você pode escolher, compre de lojas locais. Mas isso não é garantia de produção limpa.
Conheço algumas que funcionam na informalidade, porque minhas alunas da escola pública trabalham para essas empresas.
Outras são empresas familiares, onde os membros costuram por horas a fio para conseguir dar conta da produção.
Outra opção são os brechós, mas esteja certa de que encontrará muita roupa da Shein, Zara e afins nesses locais.
Pois como algumas pessoas encaram o consumo de roupas como um café no shopping, compram em demasia e descartam em seguida.
E nos brechós você tem a acesso ao desapego de gente consumista que enjoou da peça ou nem chegou a usá-la. Dá para encontrar muita coisa nova.
E a pergunta que não que calar: “Você já comprou na Shein?”
Sim! Foram duas peças. Ambas havia provado na Renner: uma calça social cinza, que ficou muito folgada e comprida e cuja etiqueta mostrava que vinha de onde? da China.
Mas não tinha meu tamanho. Procurei no site, nada de numeração 36.
Achei na Shein, praticamente a mesma calça. Mais cara que na Renner, acredite.
A outra peça foi uma saia xadrez vichy. Na Renner, só números grandes, nada de P ou PP. Achei a mesma saia na Shein. A mesma!!!!Nada de diferente, mesmo tecido, modelo… O preço? R$3,00 reais a menos.
Se eu me senti culpada? No começo sim. Comecei a pensar… Nossa eu falo sobre consumo consciente no blog e nas minhas redes sociais e tenho praticado isso por anos e comprei na Shein.
Mas tenho comprado roupas da China nas lojas brasileiras lojas, parece paradoxal.
Só disse para mim mesma: Você buscou, não achou o que procurava onde costuma comprar, pesquisou e o valor que podia pagar só estava disponível na Shein (Na Farfetch tinha uma calça parecida por quaseR$10.000, fora de cogitação), logo não se torture.
O consumo consciente
Quanto ao consumo consciente, precisamos entender que qualquer escolha traz consequências positivas e negativas.
Nós, consumidores, somos a ponta final do ciclo de produção e embora haja algumas atitudes que podem minimizar os impactos ambientais, eles sempre existirão.
Consumir menos e melhor é o primeiro passo para ser mais consciente.
Para isso, não busque a satisfação rápida.
Roupas não são comida, embora o mecanismo de recompensa seja semelhante ao compramos algo novo. Muita dopamina é liberada, mas passa e vamos querer mais. Por isso, mais razão e menos emoção na hora de comprar.
Esgote as fontes mais sustentáveis e menos poluentes antes de comprar algo em lojas de Fast ou Ultra FastFashion e dentro dessas empresas escolha bons tecidos e não compre o que não precisa.
Além de fazermos nossa parte, precisamos cobrar do poder público. Porque apenas agir de maneira mais sustentável no plano individual não basta.
Para uma transformação real é preciso fazer com que o mundo mude sua lógica de produção e consumo. Se todos passarem a consumir menos, menos será produzido, porque se tem algo que o sistema capitalista não aceita é perder.
Mas enquanto houver a perseguição pelo lucro desenfreado nada mudará. Porque no capitalismo, o que importa é o capital. Tudo o mais fica sem segundo plano.
Consciência limpa?
Podemos até manter a nossa consciência limpa fazendo melhores escolhas, mas isso não muda o fato de que não existe, na forma mais genuína, um consumo realmente 100% consciente abrangendo os aspectos ambientais, trabalhistas e sociais.
Também não há uma produção 100% sustentável. Porque todo processo gera alguma degradação.
Por isso, escolha bem, compre menos e se possível priorize o pequenos negócios que você cohece e confia. Se encontra neles o que procura, não tem porque comprar fora.
O que podemos fazer é um esforço cauteloso para diminuir nossos impactos, dentro das nossas possibilidades, mas sem carregar o fardo que alguns, deliberadamente, jogam nas nossas costas enquanto seguem promovendo a degradação ambiental, precarizando o trabalho humano e responsabilizando quem menos tem culpa nesse cenário: o consumidor.
O topo precisa mudar, nós podemos contribuir muito, mas esse é um trabalho coletivo.
Obrigada por estar comigo :)
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